terça-feira, 27 de novembro de 2012

Colaboração


























Na praia, descontraídos, dois meninos, de aproximadamente 7 anos, jogam frescobol. Entre risadas e frases dispersas, um diz ao outro, caçoando: 'Hahá, essa você não pegou!..' enquanto o amigo corria para pegar a bolinha lançada bem longe. A cena se repetiu alternando a vez de quem não pegava a bola, até que um falou: 'Esse jogo está chato!'. Chamou nossa atenção o fato de que comemoravam o erro do companheiro,  o regozijo era sobre a falha do outro, e não pelo acerto da jogada. Claro que muito pouco jogo aconteceu...

O frescobol é uma brincadeira que consiste em rebater a bolinha lançada pelo parceiro, sem deixá-la cair no chão. Não há quadra delimitada, nem pontuação individual por acertos. O objetivo comum é manter a bola no ar. Para isso, cada jogador deve remetê-la ao outro, para que 'acerte' e devolva. A grande maioria dos jogos se baseia no oposto: fazer o adversário errar. Essa brincadeira propõe, portanto, uma mudança de parâmetro que os nossos menininhos não chegaram a perceber...

Os jogos oferecem situações onde se exerce a competição e a vontade de ser melhor que o outro. Entretanto, esse exercício deve ir até o limite das regras estabelecidas. Ultrapassá-las é invalidar a disputa esportiva.  Nesse sentido, jogar é uma atividade que tem função social  e educativa importantes. Permite dar vazão às tendências humanas como a agressividade, o orgulho, a vingança, sem que haja violência e destruição. Não é o que temos visto, tristemente, acontecer nos estádios...

Os nossos protagonistas apenas buscaram satisfazer os desejos de competir e vencer, mas com isso impossibilitaram a realização da brincadeira, pois a bolinha foi quase sempre parar no chão. Não cometeram nenhuma violência física, mas o jogo ficou 'chato'. Ficaria interessante se tivessem entendido que o mérito nessa diversão era outro: desenvolver cada vez mais a habilidade de pegar a bola e possibilitar, por meio da sua jogada, o  mesmo para o parceiro.

A cena nos faz pensar no papel importante que teria um adulto que ajudasse as crianças a perceberem o prazer de se desafiar e se aprimorar, sem precisar fazer alguém perder.

O desenvolvimento da capacidade de colaborar sustenta  a 'bola no ar' nos 'jogos da vida': no trabalho, no amor, nas amizades.

Marcia Arantes e Helena Grinover



terça-feira, 20 de novembro de 2012

Censura ?





















Em  uma sala de cinema estão presentes homens, mulheres e crianças de todas as idades. A senhora madura, não consegue conter suspiros de prazer ou comentários aflitos. Um garotinho de cerca de quatro anos se agita, fala com a mãe, esconde o rosto, volta a olhar. O filme narra uma história de amor, mostra corpos nus se entrelaçando, vampiros ameaçadores, lobos enormes, ferozes, em lutas sangrentas que estraçalham e despedaçam os indivíduos. A recomendação da idade mínima para assistir essa ficção é doze anos!
Há, na nossa  sociedade, uma mudança em curso nos últimos anos. Crianças e adultos compartilham cada vez mais os mesmos espaços. Estão juntos nos restaurantes, nos shopping centers, nos hotéis, na sala de visitas até altas horas. Esta proximidade tem vários efeitos benéficos, mas pode mergulhar as crianças em situações que ultrapassam as fronteiras da condição infantil.
Quando soma-se a isso um marketing extremamente invasor e eficiente, o consumo dos  produtos audiovisuais fica difícil de controlar. Os personagens estão em todas as telas, no rádio, na banca de jornal, no painel publicitário do ônibus, na capa dos cadernos.
Quem consegue se opor a tamanha enxurrada que gera desejos de participar, de estar por dentro de tudo? Especialmente nesse momento, os pequenos têm direito à proteção e precisam ser limitados pelos mais experientes.
A indicação de idades mínimas pelos órgãos públicos deveria levar os adultos a balizar seu posicionamento pessoal na proibição de filmes, novelas televisivas, jogos eletrônicos, etc. Embora seja difícil se situar nessa maré de ofertas, pais e educadores devem firmar suas convicções e não permitir o que lhes pareça inadequado.  Mostrando um critério, fundamentando opiniões próprias, transmitirão aos filhos e alunos a noção de que é possível haver escolha e não é necessário 'seguir a multidão'...
Crianças que não encontram essa firmeza, tendem a ficar perdidas num mingau mole e disforme que dificulta a constituição da  individualidade. Podem ainda vir a ter uma atitude apática diante da vida, adotando   um indiferente 'vale tudo'.

Helena Grinover e Marcia Arantes


vivazpsicologia.blogspot.com.br


terça-feira, 13 de novembro de 2012

Quem é mais sabido?


















Era uma vez... dois irmãos, o André e o Tiago. Eles brincavam e brigavam juntos, como todos os irmãos. Ocorre que o André havia nascido três anos antes do Tiago. Quando ele estava aprendendo a ler, o Tiago mal rabiscava o papel. Quando um ainda usava fraldas, o outro se orgulhava de ir ao banheiro sozinho; quando um tinha medo do escuro, o outro já 'tirava de letra' dormir com a luz apagada. O André se vangloriava: 'eu já sei, o Tiago não sabe, né mãe?'. O Tiago, por sua vez, dizia: 'eu não sei desenhar, o André sabe!'
 Durante o período do desenvolvimento, em que as mudanças ocorrem rapidamente, André estará sempre à frente em certas conquistas. O irmão mais novo o olhará com admiração, desejará imitá-lo, o tomará como modelo. Os pais, ao elogiarem e estimularem os avanços do primeiro filho, colaboram para isso.
É de se esperar que o caçula sinta-se frustrado. Alguns desses desempenhos estão realmente além de suas possibilidades e ele o percebe com clareza. O primogênito, por outro lado, também terá que lidar com sentimentos desagradáveis tais como: a cobrança de responsabilidade, a expectativa de que seja o 'correto', a culpa por se sobrepujar ao irmão...
No entanto, o que ambos não conseguem perceber, é que isso se deve a uma diferença de idade,  que se diluirá com o tempo, e não estabelece as qualidades de cada um . É interessante que professores e familiares possam voltar os olhos para crianças como André e Tiago, que mantém insistentemente a  ideia de haver um mais sabido. O menor pode estar com medo de se arriscar,  de fracassar, então se poupa e se conforma com o lugar de menos sabido. O mais velho, não tão confiante quanto quer aparentar, pode estar precisando se reassegurar de suas capacidades e devido a isso usa sempre o mais novo como elemento de comparação.
Pais e educadores ajudam muito quando estimulam as crianças a não se fixarem nesse conceito sobre si mesma. Os mais velhos não são sempre os mais sabidos, nem os mais novos os que invariavelmente 'não conseguem'.

Marcia Arantes e Helena Grinover


terça-feira, 6 de novembro de 2012

Medo necessário




















Henrique tem quatro anos e meio e sua irmãzinha seis meses. Houve um período, após o nascimento da menina, em que o garoto ficou inquieto, mais chorão e sem paciência. Passou também a reter a urina, ficava bastante tempo sem ir ao banheiro, acabava molhando as calças e aí se mostrava muito angustiado. Certo dia, diante de uma lanchonete, aproximou-se dele um homem vestido de dragão, com uma fantasia enorme. O garoto ficou apavorado e daí em diante passou a ter medo destas grandes figuras que se movimentam por meio de um ser humano no seu interior. A mãe observa, entretanto, que depois disso ele recuperou certa calma, voltou a ir ao banheiro normalmente...
O nascimento de irmãos, especialmente na faixa etária de nosso protagonista, propicia uma série de dúvidas e temores que surgem quando a criança realiza que o nenê saiu de dentro do corpo da mãe. As questões giram em torno das diferenças sexuais entre homens e mulheres, das separações, evocam os mistérios da vida e, consequentemente, da morte. Os pequenos se perguntam sobre os desejos da mamãe e o papel do papai na família. Portanto, pode-se esperar que apareçam essas angustias vagas que causam mudanças visíveis e incompreensíveis, aquelas que os adultos costumam dizer que são por ciúmes do irmãozinho, pois claramente estão ligadas à chegada dele. 
Henrique não conseguia expressar com pensamentos e palavras sua ansiedade que se traduzia em perturbações generalizadas e na retenção da urina. Quando passou a ter medo dos dragões e personagens afins, concentrou os sentimentos ameaçadores nestas figuras. Agora, bastava evitar esses monstros! 
Podemos levantar a hipótese de que os medos `curaram´ a angustia difusa que o molestava. 
Lembremos que há seculos as histórias introduzem figuras assustadoras na imaginação das crianças. Elas têm a função de cercar as  inevitáveis ansiedades infantis. Mantendo-as presas a esses personagens fantásticos, ajudam os pequenos a terem um bem estar emocional. 
Os pais, preocupados em diminuir o sofrimento dos filhos ou torná-los corajosos, buscam convencê-los de que não estão correndo perigo, `essas criaturas não existem´ ou `bonecos não fazem nada´. Mas convém dar a eles um tempo, deixar que encontrem soluções próprias para seus temores.  Podem ser medos necessários...

Helena Grinover e Marcia Arantes