sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Quem é o bebê?



O pai de um garotinho de cinco meses viaja frequentemente devido a compromissos profissionais e, por ocasião de cada ausência, conversa com seu filhinho. Com a voz tranquila e séria diz coisas assim: 'preste atenção filho, vou viajar e você vai ficar com sua mãe. Comporte-se bem, tá? Volto daqui a quatro dias. Vou sentir saudades'.
Ao falarmos com os bebês mesmo sem sabermos o que eles podem entender de tudo que é dito, produzimos uma série de efeitos. É por meio da nossa fala que são incluídos no universo dos seres que têm uma linguagem. Oferecemos as nossas palavras como que dizendo: você é um de nós. Isso muda radicalmente suas vidas!
Quando o pai se dirige ao bebê do nosso exemplo, é como se estivesse diante do filho que ele sonha ter daqui a algum tempo. Enquanto antecipa a visão de um individuo falante, determina um lugar para o novo ser. Embora nesse momento o garotinho ainda não compreenda os significados específicos que o pai lhe transmite, ele já tem um lugar que seus familiares lhe reservam e que sabem que em breve será ocupado. O pai expressa nessa fala, provavelmente sem se dar conta, o seu desejo e expectativa em relação ao filho. É como se ele dissesse: 'Filho, desejo ser muito importante para você e espero que sinta minha falta da mesma forma que sentirei a sua.'
Sempre que alguém se dirige ao bebê olhando-o como uma pessoa que ele próprio ainda não é, antevê o espaço que virá a ocupar e assim lhe dá condições de vir a ser de fato 'uma' pessoa.
As falas endereçadas ao pequeno são, geralmente, tentativas de decifrar e traduzir em palavras os sinais sonoros, o olhar, as mudanças no rostinho. Vão dizendo se está com raiva, feliz, com sono, vão contando uma história sobre seus dias, lhe apresentam o mundo. Envia-se assim uma série de imagens e palavras necessárias para que vá constituindo uma idéia de si e dos outros. É o começo de um processo que o acompanhará vida a fora, 'quem eu sou e quem são os outros'.
Essas 'conversinhas' que os cuidadores fazem intuitivamente tão bem quando estão amamentando, trocando, banhando... são tão importantes! Elas oferecem ao bebê uma rede de proteção que dá sentido ao mundo.

Helena Grinover e Marcia Arantes
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quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A menininha vira fera


'Mãe, quem mandou você fazer isso? Você sabe que eu não gosto!' 'Não vou prá aula hoje! Já falei!' 'Quem mandou você mexer na minha boneca?' 'Tira isso daqui!' Não quero ouvir essa música, para de cantar!!!' 'Não vou dormir agora, já falei que não vou!'
A menininha aos 6 ou 7 anos, tão engraçadinha até então, vira uma pequena tirana. Dá ordens à vontade, enfrenta os adultos com a maior naturalidade, manda e desmanda na casa. Os adultos às vezes riem, outras se constrangem, outras ainda se enfurecem. Como lidar com a situação na qual, até os pais mais controlados, sentem-se impelidos a usar de força, como se estivessem num 'braço de ferro' com a filha
Ao lado disso, outras mudanças estão ocorrendo: a distinção entre realidade e fantasia se fortalece, a menininha já sabe que algumas estórias são inventadas e outras são de verdade; os dentes de leite começam a cair e com eles a carinha de bebê; as exigências escolares aumentam e as expectativas em relação ao comportamento também.
Grande batalha enfrenta essa menina! Suas crenças estão abaladas, até seus dentes estão abalados! A visão que tem sobre seus pais também está em mudança. Eles diminuem de tamanho e ela cresce, já começa a vislumbrar que um dia estarão do mesmo tamanho.
Essa descoberta encorajadora, é também o abalo da proteção inquestionável que os pais representam durante os primeiros seis anos de vida.
Ela já tem quase certeza de que a vida não é um conto de fadas, está perdendo a ilusão da força das varinhas mágicas e ao mesmo tempo ainda não é uma mulher como sua mãe, sua professora. Como conseguir então ser alguém importante, como realizar seus desejos, como ter controle sobre esse mundo que se apresenta complicado e inatingível?
O que aparece como malcriação pode ser visto como tentativa um pouco desesperada de se sobrepor, de recuperar o poder representado pelas 'Cinderelas' que magicamente vencem todas as dificuldades e tornam-se 'felizes para sempre' com seus príncipes e vassalos...Se isso agora não pode mais ser conseguido com varinhas ou beijos de amor, quem sabe se na 'base do grito' a coisa funciona?
Mais do que ser enfrentada, a menininha precisa ser ajudada a encontrar maneiras de se relacionar sem ocupar o lugar de 'sua majestade', tampouco o de 'seu vassalo'.

Marcia e Helena Grinover
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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Irmãos só mudam de endereço...

























Quem tem filhos que já passaram da primeira infância conhece bem essas palavras: Saia daqui ! Seu chato! Cala a boca! Quem mandou você pegar? Idiota! Você vai ver! E daí por diante... São brigas sem fim, por espaço no sofá, pelo uso do quarto, por roupas, por objetos, por ofensas que um dirige ao outro...
Os pais ficam desgostosos e pensam que os filhos deveriam ser mais unidos. Mas é justamente essa a questão: irmãos com idades mais próximas, ou que ficaram mais juntos nos primeiros anos, tendem a brigar mais. Estão, de certa maneira, próximos demais !!!
Se no início eles compartilham amor, atenção, cuidados e disputam o espaço junto aos pais, na medida em que o tempo passa, é necessário que cada um marque um espaço próprio, e cuide para que as fronteiras não se apaguem. Quando entram na puberdade, precisam defender cada centímetro do que é seu. É compreensível se pensarmos que nessas idades o que está em jogo na vida é a definição da nova identidade, que se constrói também pela apropriação do espaço e dos objetos.
A sexualidade se intensifica, trazendo anseios e perigos para quem precisa dominá-la. Por isso, os contatos corporais adquirem novas características, bem diferentes daquelas da infância. Muitos deixam de ser carinhosos como eram, evitam até de se tocar.
Lembremos que a briga, agora muito mais verbal, é uma maneira de se definir diante do parceiro e ficar 'independente'. Nesse sentido ter irmãos é uma oportunidade para esse exercício, e eles sofrem uma espécie de atração por essa atividade. É comum ouvirmos os pais dizerem: ' deixa seu irmão, ou sua irmã em paz', pois percebem que os filhos estão sempre fazendo uma provocação, chamando para mais uma contenda
É interessante que os adultos fiquem vigilantes para intervir se for necessário protegê-los. Porém, é bom deixar que os irmãos resolvam suas questões e isso vale para os pequenos também. Com as brigas aprendem muito, inventam regras, regulam a agressividade, avaliam a força que têm, descobrem as conseqüências do que fazem, perdem a parceria, negociam a paz. Sim, porque irmãos são parceiros tanto para se divertir, ter cumplicidade, quanto para brigar e enfrentar problemas.
Os adultos podem ajudá-los reconhecendo as individualidades, favorecendo a percepção de que se há diferença, há espaço para todos.

Marcia Arantes e Helena Grinover
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segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Promessa é dívida




















'Hoje não posso ficar com você , mas prometo que fico no fim de semana'; 'agora tenho uma reunião, mas prometo andar de bicicleta amanhã'.
As relações entre pais e filhos são repletas de promessas... Geralmente aparecem no momento em que os pais se dão conta de alguma carência no filho, e sentem-se devedores. As promessas projetam a dívida atual para o futuro, e buscam transformar a culpa numa certeza de reparação. 
No dia a dia, muitas variáveis interferem para nos desviar do que pretendemos fazer. O trânsito, a reunião que se estendeu mais do que devia, o dinheiro que não sobrou como se planejava, falta paciência para não agir daquela forma agressiva . 
A decepção é grande quando uma promessa não se cumpre, especialmente para crianças na primeira infância, quando a crença na infalibilidade dos pais é necessária. 
Por outro lado, sabemos que faltar com a palavra é humano e as crianças com o passar do tempo descobrem que os pais falham. Descoberta, aliás, muito importante porque também as liberta, podem ser imperfeitas. Passar a vida acreditando em seres infalíveis é fonte de muito sofrimento e inúmeras decepções .
Na verdade, quando fazemos uma promessa estamos dizendo que 'temos a firme intenção', ou 'um grande desejo' de realizar aquilo. Podemos ter no máximo a certeza dessa intenção, mas não temos a certeza da concretização.
Talvez o mais importante para a criança seja perceber que seus pais se sentem tranquilos fazendo o que lhes é possível - as limitações são muitas - para que ela tenha uma vida boa!
O sentimento dos pais de que estão em falta com os filhos pode ser um bom começo para um processo de mudança, com a abertura de novas idéias sobre a interação familiar.

Marcia Arantes e Helena Grinover
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