terça-feira, 26 de julho de 2011

Das tripas coração



Ouvi, há alguns dias, trecho da entrevista de uma atriz que, exaltada, clamava para que os pais recuperem sua autoridade na família e cobrem o respeito dos filhos, atribuindo a isso parte da violência social constatada atualmente.
Lembro-me de um pai, extremamente preocupado que, apesar de todas as tentativas, não estava conseguindo limitar o uso da Internet pelo filho de 16 anos. Quando eu lhe disse: 'já pensou em tirar o computador?'. Ele me olhou espantado e respondeu: 'mas não é muito violento??'.
Colocar limites, ensinar que o esforço é muitas vezes condição de resultado, que nem sempre fazemos só o que gostamos, que todos devem aceitar regras para viver em sociedade, exige que os pais se coloquem na contramão de uma maré poderosa. A maré reinante atual nos invade com as idéias de que tudo pode ser conseguido sem grande esforço, que basta querer para poder e etc...Tanto é assim, que os pais têm muitas vezes a impressão de que estão sendo violentos ao se opor energicamente aos desejos dos filhos. 
Em vários momentos há de se fazer 'das tripas coração' para levar os filhos a se submeterem ao que a sociabilização exige. Os pais têm o desejo visceral de poupá-los de todo sofrimento.Por outro lado quando eles não correspondem às suas expectativas, sucumbem a uma raiva surda, também visceral, que impulsiona a querer obrigá-los ditatorialmente a obedecer suas ordens. É preciso sair das vísceras para não cair na permissividade omissa, ou no autoritarismo.
A autoridade é diferente do autoritarismo porque quem a exerce está praticando valores, ideais, que considera e estima como bons para todos, inclusive para sí próprio. Daí surgem os melhores critérios, e não das emoções viscerais, para nortear o que comer, o que ler, com quem se relacionar, o que vestir, e tantas escolhas vida afora... 
Se o pai estiver pautado por esses valores e principalmente, se ele próprio se submete a eles, quando tirar o computador do filho não estará sendo violento, ou melhor, talvez nem tivesse que chegar a tanto...

Marcia Arantes e Helena Grinover

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Pai amigo?




























Há alguns dias ouvimos uma educadora comentar, com curiosidade e certo espanto, um novo jeito, estimulado pelos próprios adultos, das crianças chamarem os seus pais usando os nomes próprios ao invés das palavras 'pai' ou 'mãe'. Seria uma maneira de aproximação, de criar intimidade? Ou seria uma forma de desocupar o lugar de progenitores?
Quando a criança se refere aos pais chamando-os de 'papai' ou 'mamãe', está conferindo a eles um lugar único. Isso terá um papel tanto para o filho, quanto para os pais assim chamados. Trata-se de criar um lugar a partir do qual as funções se desenvolvem. 'Mãe' não é o mesmo que Maria, Lucia, Beatriz...
Esse tema nos lembra outro: pais que fazem questão de dizer aos filhos que são seus amigos, colocando-se assim lado a lado, no mesmo plano que outros amigos. O lugar dos adultos que são responsáveis pela educação, no sentido de preparo do futuro cidadão, define funções diferentes das de uma amizade, embora os pais e professores devam ser amigáveis e ficar amorosamente ao lado das crianças e jovens sempre que puderem.
Amigos são aqueles com os quais nós estabelecemos relações que incluem conversar, compartilhar, confiar,
discutir, rir e, inclusive, desafiar e enfrentar os mais velhos. 
É importante que crianças e adolescentes possam questionar as autoridades dentro de casa e na escola. Isto os prepara para a separação que todos desejam que se realize com sucesso para que um dia ocupem o lugar de adultos! 
As ações e reações advindas desses embates vão depender das condições de cada família, de cada escola e aí cada caso é um caso...
O que é certo é que os pais e filhos, alunos e professores, terão de ficar em lados opostos para que esses saudáveis conflitos possam ocorrer e cabe aos adultos manter firmemente as posições em que acreditam para que os mais jovens tenham oportunidade de contestá-las. São as tão necessárias referências!
Ora, sendo assim, amigos, amigos... pais e professores à parte.

Marcia Arantes e Helena Grinover
Caso seu filho apresente dificuldades persistentes, marque um horário para conversar.









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domingo, 10 de julho de 2011

Não dá para dizer não?




















Esta semana fomos chocados pela entrevista de uma mãe londrina conhecida como 'barbie humana' devido a quantidade de cirurgias plásticas que fez, declarando ter dado à filha de 6 anos, um 'voucher-silicone' para realizar um implante nos seios aos 16. Essa mãe declara que a filha implorou pelo presente. Claro, estamos diante de uma exceção, mas bastante útil para refletirmos a respeito de onde nos leva a impossibilidade de dizer 'não'.
O 'não' tem efeito de uma barreira tanto para quem diz, quando para quem escuta. Quando não podemos colocar essa barreira, funcionamos como uma espécie de canal por onde tudo passa: não há limites para a entrada, e nem para a saída. Transformamo-nos num corpo boiando num mar de demandas. No exemplo que citamos, o efeito sobre a filha só o futuro dirá, mas podemos imaginar que será um novo corpo a boiar no reino do vale-tudo, ou terá que fazer um enorme esforço para encontrar algumas âncoras.
A menina declara que está muito feliz com o presente porque terá "peitos lindos como os da mamãe". Por enquanto, o corpo e o sonho de beleza dessa menininha são moldados pelos desejos da mãe. Esta, por estar aprisionada à ilusão de um corpo cada vez mais perfeito, fica impossibilitada de recusar o pedido da filha. No fundo, o que ela não pode é dizer 'não' para si mesma e usa a criança para continuar as suas intervenções plásticas.
O educador deve ser capaz de barrar suas próprias expectativas, reconhecer nesse outro ser necessidades diferentes das suas, para oferecer perspectivas e valores mais amplos, inseridos numa cultura que está acima dos desejos individuais.

Marcia Arantes e Helena Grinover
Caso queira aprofundar o assunto, marque um horário para conversar.








segunda-feira, 4 de julho de 2011

O que os olhos não vêem...



















Uma garota de sete anos de idade, acompanhada da avó, assiste no computador um a clip musical. A música fala de amor, saudades e é cantada por uma adolescente, vestida de mini saia, rebolante, fazendo caras e bocas. A avó observa "esse clip é para adolescentes, não?". "É só uma música, vovó", responde a garota.
Na cena final a cantora beija na boca um jovem e a menina rapidamente tampa com as mãos os próprios olhos."Porque você fez isso?", pergunta a avó. "Por causa do que você disse", responde.
Ela evita a visão do beijo. Sabemos que nos seres humanos a visão da imagem dos outros é responsável pela constituição dos desejos. O desejo humano nasce de uma identificação com os os outros, dito de outra maneira, nasce quando um se vê no lugar do outro e passa a desejar o que esse outro possui. A garota sabe que se espera que ela não queira ainda ser uma adolescente, então na hora do beijo procura se separar, se isola da cantora que admirava e com quem se identificava até esse momento. Enquanto era só uma música...
O ato da garota mostra a força da imagem. O que a publicidade visual faz é utilizar essa força para criar desejos nos espectadores. O que a garota revela é que esse objetivo é plenamente atingido, ela se protege da visão.
Sabemos o quanto é difícil para os pais acompanhar e selecionar o que as crianças vêem nas telas, uma explosão de imagens e relativamente poucas palavras. No entanto, é sua função e dos educadores em geral,' não fechar os olhos', mas posicionar-se como barreira protetora, opinando e transmitindo seus valores.
As colocações dos adultos são referências importantes diante da tarefa de digerir a invasão da mídia, que nem sempre se questiona sobre os efeitos sociais de suas mensagens.

Helena Grinover e Marcia Arantes
Caso queira aprofundar o assunto, marque um horário para conversar.