terça-feira, 26 de junho de 2012

Está escondido, não sumiu para sempre...
























A mãe de Gilberto, garoto de três anos de idade, relata que só sai de casa quando ele está dormindo. Desta maneira evita o sofrimento e a enorme choradeira do filho. Para deixá-lo na escola, vai embora sem que ele veja. A separação só pode ocorrer assim: às escondidas.
Na vida das crianças, a ação de esconder ocupa um lugar bastante importante. Os bebês, com poucos meses, já se divertem diante da surpresa de sumir e aparecer por trás de uma fralda. Mais tarde começam a jogar ou deixar cair objetos para observar o 'desaparecer e reaparecer'. Segue-se um número infindável de jogos infantis como o esconde-esconde, cabra cega, pique, cabanas e casinhas, onde os pequenos somem das vistas dos adultos, e uns dos outros.
Todas esses brincadeiras criam e fortalecem a capacidade de aguentar as separações, o tempo em que  algo ou alguém querido deixa de estar junto à criança sem causar uma angustia insuportável.
O espaço entre a ausência e a presença só pode ser ultrapassado com tranquilidade quando há a certeza de que o desaparecido continua a existir. Apesar de não estar sendo 'visto pelos olhos' está presente e vivo na memória, na imaginação, no pensamento. Assim se constrói o universo mental que dá suporte ao desenvolvimento de atividades criativas e culturais como: brincar, estudar, escrever, trabalhar...
A mãe de Gilberto procura poupá-lo do sofrimento causado pela separação. Entretanto, a estratégia usada por ela tende a aumentar a insegurança do garoto, pois acrescenta mistério a algo que seria corriqueiro. Desta maneira, o filho não consegue participar do movimento da mãe usando sua capacidade mental para mantê-la viva e presente dentro dele. Conversar e iniciar pequenas ausências na presença do menino poderia desencadear um processo inverso no qual ele iria ganhando maior independência.
Representar as cenas de 'ir e vir' por meio de brincadeiras, estórias, canções, promove essa construção fundamental para todas as capacidades mentais da criança.

Helena Grinover e Marcia Arantes

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terça-feira, 19 de junho de 2012

A história do filho adotado


























'Olha que gracinha! É a cara do pai!' diz a tia. 'Os olhos são iguais aos da mãe!' afirma a avó. ' A mãozinha é idêntica a do avô!' exclama orgulhoso o papai. Ou ainda, 'puxa, não tem nada da irmã!'
O bebezinho é frequentemente recebido com esses comentários. Parentes e amigos buscam semelhanças físicas, por vezes um tanto forçadas, para reconhecer que o novo membro é da família, faz parte das suas histórias. À medida em que for crescendo, outras características surgirão, gerando novas comparações. 'Ele tem o mesmo jeito de falar do pai'. 'Gosta de música como a avó'.'Não gosta de matemática como a mãe!'...'Puxou ao tio, é dorminhoco!'. Ou então: 'não sei a quem puxou, não tem ninguém assim na família.'
Quando o bebê não é filho biológico, a busca por traços físicos deixa de ter sentido. É por meio de outros caminhos que a família inclui a criança.
Muito cedo pais adotivos desenvolvem intimidade com o filho. Ao alimentar, acalentar, acalmar, educar, conhecer suas necessidades e desejos, eles se tornam as pessoas que a criança reconhece como seus pais. Este processo também fortalece nos adultos a identificação de que são os genitores dessa criança, o que os leva a dizer 'meu filho', sem precisar procurar 'a mãozinha parecida com a do avô'.
Entretanto, justamente por formarem uma família, estes filhos sentem também a necessidade de ter uma história que os una aos pais. Estes têm a função de contar à criança adotada como tudo começou: quanto a desejaram, como decidiram adotá-la, como foi o processo, a chegada, se sabem ou não algo a respeito da família de origem...
Essas histórias serão repetidas e repetidas...fornecendo um apoio fundamental para ela organizar um panorama de como e porquê entrou na família. Sem esses relatos, a criança ficará girando em falso,  presa a uma indagação sem resposta que perturba a construção da idéia de quem ela é.
Espera-se que filho adotivo possa construir a sua subjetividade. Assim como o filho biológico, terá atitudes que os pais apreciam, outras que nem tanto, algumas características lembrarão certos membros da família, e outras não se saberá de onde vieram...

Marcia Arantes e Helena Grinover

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terça-feira, 12 de junho de 2012

O que fazer com a culpa?














'De novo seu irmão chorando'? diz o pai, irritado. 'A culpa não é minha...' responde o garoto. 'Não quero saber, se seu irmão vier chorando mais uma vez, você vai ficar de castigo, uma semana sem televisão', é a resposta imediata.
Não é fácil lidar com essas situações repetitivas sem perder a paciência.
O que estará acontecendo entre os dois irmãos? O menor pode estar provocando, chorando por não saber responder de outra maneira, obtendo satisfação quando o pai pune o maior. O mais velho pode estar impaciente com a pouca capacidade do pequeno para suas brincadeiras, não percebendo sua própria força, expressando a raiva sem controle.
A resposta do garoto mostra que ele precisa se livrar rapidamente da culpa, já imaginando que será acusado de causar a infelicidade do irmão. O pai confirma esse pensamento ao ameaçar com o castigo automático.
Dar aos irmãos a palavra possibilitaria mostrar a cada um sua participação nas desavenças e responsabilizá-los por ela. Ouvir o que dizem a respeito é a única maneira de saber como o desentendimento é visto por eles e, então, oferecer-lhes alternativas que o adulto julgar adequadas.
Impor um castigo não permite à criança mudar a situação pela qual foi castigada, e a imobiliza na culpa. Ela não poderá fazer nada senão sofrer passivamente a pena imposta, no nosso exemplo 'ficar sem televisão'. Por outro lado, levá-la a perceber o que fez, oferecer-lhe um meio de reparar  ativamente o erro cometido colabora para sua saúde psíquica, sua dignidade, sua formação ética. É ensinar o seguinte: você é o autor, a pessoa que fez a ação e pode também arcar com as consequências: pedir perdão, consertar o que quebrou, ajudar a quem prejudicou, alterar a brincadeira, colaborar para uma mudança efetiva de acordo com suas capacidades.
Todo ser humano tem direito a uma oportunidade para se redimir. Na infância, quando a criança é chamada a se responsabilizar, tem a chance de recuperar seu valor sem ficar inferiorizada pela culpa.

Helena Grinover e Marcia Arantes
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terça-feira, 5 de junho de 2012

Estar não é ser!

'Não deixo mais minha filha brincar com essa menina. Ela é malvada! Faz coisas ruins!' 'Meu filho está falando muito palavrão. Digo a ele que quem faz isso é feio'.' O Paulinho agora deu para ser tímido, ficou o tempo todo agarrado em mim durante a festa'.
No processo educativo os mais velhos oferecem referências que orientam os mais novos sobre o que é certo, valorizado, desejável, prejudicial. No entanto, é igualmente importante ajudá-los a perceber que os valores se referem aos comportamentos, e não às pessoas.
Quando dizemos que uma criança  é malvada porque bateu em alguém, condenamos a criança e não o seu ato de malvadeza.  Tiramos dela a possibilidade de rever sua atitude e se comportar diferentemente em outra ocasião. Afinal, um malvado é sempre malvado...
A tarefa de educar inclui promover mudanças. Os pais, para exercerem seu papel, precisam acreditar que sua interferência produz alterações, e as crianças precisam  saber que eles têm essa crença.
Toda vez que se utiliza o verbo 'ser' , a visão  da situação tende a se imobilizar, como numa brincadeira de 'estátua'. Ao contrário, quando utilizamos o verbo 'estar',  a possibilidade de transformação permanece no horizonte. O Paulinho pode 'estar' tímido em uma situação e 'à vontade' em outra.
 Dizer que 'é ruim bater no colega' é bem diferente de dizer que 'quem bate no colega é ruim'. Os educadores se tranquilizam e são mais justos quando entendem essa diferença, pois podem punir uma atitude específica, sem estigmatizar a criança. Esta  ficará aliviada sabendo que há meios para consertar a 'coisa errada' que fez. Isso  a fortalece.

Marcia Arantes e Helena Grinover

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