quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Crianças na rua da amargura























Os jornais têm noticiado nos últimos dias a situação de crianças com idades entre 9 e 15 anos que perambulam por ruas de São Paulo, formam grupos que roubam ou praticam pequenos assaltos.
Sabemos que essas notícias são apenas um fragmento revelador da imensa fratura exposta da nossa sociedade quando se considera a estrutura de cuidados com as crianças.
Chamou nossa atenção, no entanto, uma informação da Folha de São Paulo no dia 28/08/2011: as meninas roubaram cremes para alisar cabelo e lentes de contato verdes para mudar a cor dos olhos. Declararam que querem ficar bonitas, se acham feias e desejam o que as 'loirinhas' têm, como celulares e outros ícones de consumo, de preferência com a cor rosa.
Revelam, dessa maneira, um desejo de mudança, querem se transformar e talvez viver em um mundo mais cor de rosa. Infelizmente, estão erradas quanto aos métodos utilizados para 'virar outra pessoa'. Além disso, estão muito longe de seus ideais, importados de países ricos onde a população é, predominantemente, loura de cabelos lisos e olhos claros.
Mas o que nos interessa aqui é marcar o desejo de mudança dessas meninas. O desejo é uma força psíquica poderosa que pode ajudá-las a sair dessa rota de choque com as instituições e as leis, para trilhar um caminho de construção dentro da realidade.
Essas pobres abandonadas terão uma brecha de salvação se, antes de as rotularmos de 'ladras' ou 'delinquentes', levarmos em conta que enxergam um ideal para si mesmas, o que é fundamental para construir um projeto de vida. É necessário escutá-las.
Quando o educador valoriza as ambições e desejos expressos por crianças e adolescentes, sobretudo quando provenientes de grupos cujas carências sociais são enormes, pode ajudá-los. Trata-se de transformar esses ideais que, num primeiro momento, são fantasiosos, ousados demais, fora da realidade, em projetos factíveis. Nesse processo os futuros cidadãos irão desenvolver escolhas, descobrir aptidões, e a imagem que têm de si mesmos ficará modificada.
Haverá aí uma chance daquelas meninas se sentirem bonitas, sem precisar de olhos verdes roubados.

Helena Grinover e Marcia Arantes
Caso queira aprofundar a questão, marque um horário para conversar.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Castigo para que?




Temos visto em muitas famílias, de todas as classes sociais, uma profusão de castigos impostos aos filhos, na tentativa de resolver situações. Não ir bem na escola, não fazer as lições, brigar com o irmão, não comer adequadamente, desrespeitar adultos, falar palavrões... têm sido motivos para punições. Parece que se configurou uma 'moda' na educação e na hora do desespero dos pais, aliás muito compreensível, o castigo aparece como solução, mas vale a pena refletir sobre isso.
Qual o pressuposto do castigo? Ele priva a criança de algo que ela gosta em decorrência de um comportamento indesejado, mas, quase sempre, não está relacionado com o que o motivou. Eis um exemplo: xingou a mãe, não vê televisão. Para que serve? De que maneira isso ensina a criança a buscar uma solução mais eficiente para as diferenças entre ela e sua mãe, ou para expressão dos seus sentimentos, sem xingar e desrespeitar? Outro, muito usado: não estudou para a prova, fica sem ir à casa dos amigos por um mês. Como isso ajuda a superar dificuldades de se organizar, ter interesse pelos estudos, etc?
Ocorre, frequentemente, que as situações se repetem, e o relacionamento entre pais e filhos transforma-se num braço de ferro, numa competição no estilo 'vamos ver quem tem mais força'. Quando a educação se converte preponderantemente num jogo de dominação, é sinal de que algo está fora do lugar. O que se espera como resultado num jogo desse tipo? Como isso colabora para o aprendizado da resolução de conflitos sem agressões inaceitáveis? Como colabora para vencer as dificuldades da vida? Seria interessante que os pais tentassem responder a essas perguntas antes de decidir como interferir. Educar não é dominar, ao contrário, deveria ser ajudar a se controlar, a desenvolver recursos para resolver os problemas.
A 'moda' do castigo desconhece os motivos individuais que cada criança tem para agir e iguala todas elas propondo essa estratégia: causar um sofrimento para extinguir um comportamento indesejado. Quando a situação se repete seria melhor ajudar criança a falar sobre o que está fazendo e buscar uma mudança. Muitas vezes é possível pedir a ela que repare o que estragou, nas relações ou na sua própria vida, não como castigo, mas para que participe construindo.
Afinal, esse talvez seja um dos principais objetivos da educação: ajudar a construir.

Marcia Arantes e Helena Grinover

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Dito e feito


















O pai chega em casa à noite e... surpresa!! O filhinho querido, no auge do poderio dos seus 3 anos de idade, havia feito vários desenhos na parede recém pintada da sala. E agora? O que fazer? Reação imediata: dar uma bronca, já tinham combinado que não podia fazer isso. Castigo? Sentimentos díspares invadem o pai, provavelmente cansado do trabalho. Ele gastou um bom dinheiro para pintar as paredes, mas afinal o filhote colocou ali suas produções mais caprichadas, que merecem todo o respeito, vai ver quis agradar...ou quem sabe, está bravo porque ficou muito só durante o dia, não estão lhe dando a atenção devida, enfim, muitas hipóteses...Por vezes, muitos pensamentos desviam o educador da necessidade de preservar o limite.
Aos três anos de idade a palavra dos pais ainda não tem muito poder para coibir a ação da criança, especialmente se não estiverem presentes no momento do ocorrido . Mas temos visto crianças mais velhas demonstrando também quão pouco essas palavras têm poder sobre elas. Os pais se queixam da falta de efeito do que dizem: é desgastante, cansativo.
O que fazer? O que o pai desse garotinho pode fazer para que no futuro não venha a se deparar com a mesma questão? Sua palavra precisa ser ancorada no respeito pelo que é dito, ou seja, o que é falado precisa ser efetivado e cumprido dos dois lados, do pai e do filho. A dose de rigor a ser aplicada em cada idade e em cada situação é diferente. 
Combinar com a criança uma meta que nem ela nem o adulto conseguirão cumprir fragiliza o processo de construção do valor da palavra, por isso é importante que os pais dosem as exigências. Fica difícil quando os filhos começam a pensar: Ah... meu pai fala, mas depois...
No caso do garoto 'pintor' o pai deveria solicitar a participação do filho para limpar a parede, deixando-a na cor que estava. Mesmo que o resultado não seja igual à parede pintada por um adulto, é uma maneira da criança reparar o erro e ver que o pai não estava 'só falando'.
Ocorre que muitas vezes os pais sucumbem ao cansaço e acabam 'deixando pará lá'. Dá trabalho sustentar a própria palavra, mas não há outro meio para transmitir a ideia de que ' o dito é pará valer'.

Marcia Arantes e Helena grinover
Caso seu filho apresente dificuldades persistentes, marque um horário para conversar.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Agenda cheia




















Dora, garota de nove anos, deixa uma mensagem no celular de sua mãe, que está no trabalho: "mãe, liga pra cá, eu não tenho nada pra fazer...beijo". 
A mãe relata que nessa manhã a filha teria aula de ballet, mas na semana anterior haviam desistido de continuar com as aulas porque a garota reclamava há meses dizendo que estava "chato". 
Não sabemos ao que a menina se referia quando expressava essa reclamação em relação à dança, mas sabemos que, quando se deparou com a ausência de uma atividade programada, sentiu-se perdida, sem conseguir definir o que tinha vontade de fazer. Ela sabia o que não queria, mas não conseguia saber o que queria.
As crianças, quando os recursos financeiros dos pais permitem, estão com as agendas cheias: música, esportes, língua estrangeira, reforço escolar... às vezes numa quantidade tão excessiva, que gera desatenção, falta de interesse, mau desempenho. Mesmo nos recreios das escolas, festas, hotéis, clubes, essas crianças têm atualmente um grande período com monitores, onde as brincadeiras são vigiadas e conduzidas. Essas atividades, apesar de por vezes serem atraentes, não propiciam algo importante. 
É um enorme aprendizado administrar o próprio tempo, decidir o que fazer, tomar as iniciativas. Quando ela 'não tem nada para fazer', ou melhor, quando nenhum adulto está propondo nada, pode ser o grande momento de inventar, descobrir, criar cenários imaginários, andar no próprio ritmo, encontrar o jeito pessoal. São vivências que a preparam para desempenhar melhor as tarefas dirigidas que terá que enfrentar.
Como seria bom se, diante desse recado no celular, a mamãe da Dora não se apressasse em propor coisas, como é, geralmente, a tendência dos pais.

Helena Grinover e Marcia Arantes

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Mesmos pais, filhos tão diferentes 2




















Tati e Lucia são duas irmãs, de 5 e 8 anos. Uma é muito falante, perguntadeira, curiosa. A outra é concentrada, gosta de se dedicar ao que está fazendo, atenta.
Pais, parentes e até professores costumam fazer comentários sobre irmãos, às vezes comparativos e competitivos. Comentam sobre as características físicas, o cabelo que é igual ao do pai, o nariz que é igual ao da mãe, ou como se parecem entre si. É interessante perceber como as falas em geral apontam para o fato de que são irmãos, mas também de que não se parecem: a Tati é mais falante do que a Lúcia. A Lúcia presta muito mais atenção do que a Tati...
Por terem os mesmos pais ou por se criarem juntos, há uma expectativa de que os irmãos sejam parecidos, revelando traços de sua origem comum, biológica ou familiar. Mas o fato é que, a despeito de aparentes semelhanças, são diferentes e é nesse palco que muitos dramas e comédias familiares se desenvolvem. 
As crianças, por seu lado, se sentem protegidas e emocionalmente amparadas quando se vêem 'iguais'. É comum o irmão mais novo procurar ser como o mais velho, imitar, querer o que o outro tem, fazer um grande esforço para acompanhá-lo. Entretanto, a tarefa de se diferenciar é fundamental e desejada por todos. Caso não seja cumprida, a pessoa arrisca-se a passar a vida em uma posição de sombra do irmão ou da irmã. Por vezes, não sabem mais quem é sombra de quem, tal a interdependência no par fraterno que se consolida. 
Os adultos podem ajudar as crianças nessa jornada de ir se diferenciando e, ao mesmo tempo, se integrando na família. É importante mostrar a elas que as diferenças não existem apenas em relação aos irmãos, como é dito no exemplo, e que, principalmente, não representam uma vantagem ou desvantagem competitiva para toda a vida. Ser mais falante, ou ser mais concentrado será ou não uma boa característica, dependendo de seu uso em cada situação. Tati não é somente diferente de Lúcia e viceversa, mas é diferente de todos os seres humanos, sendo única em sua maneira de ser.
Ensinar a ver o diferente dentro da igualdade, sem juízos de valor, é um dos desafios da nossa atual aldeia global.


Marcia e Helena Grinover