domingo, 30 de outubro de 2011

Mentiras


'Meu filho mentiu para mim! Ele escondeu o boletim, disse que a escola não tinha mandado.' 'Minha filha disse que fez a lição, quando fui ver, não tinha feito!' ' Ele disse que foi para a casa do amigo estudar e não foi '.
Os pais querem acreditar que podem sempre confiar nos filhos. A constatação de que não é assim, abala profundamente a certeza de que conhecem esse ser tão próximo. Percebem, decepcionados, que não podem ter o controle que esperavam. Pergunta inevitável: e agora, o que fazer? Ou ainda: porque ele fez isso?
A criança, até aproximadamente seis anos, não sabe o que é mentir. Ainda não sabe que seus pensamentos são secretos, que ninguém pode vê-los, e menos ainda que suas palavras podem ocultar o que está pensando. Trata-se de uma conquista do seu desenvolvimento perceber que pode esconder o que sabe. Isso é concomitante a ter privacidade, ter pensamentos não compartilhados, adquirir alguma liberdade. A mentira é ainda mais complexa. Quem mente manipula a expectativa do outro, regula o que vai dizer de acordo com o que imagina ser o desejo do ouvinte. O prazer dessa descoberta pode levar a criança pequena a mentir, numa espécie de 'brincadeira' para escapar da soberania do adulto.
Quando ocorrem mentiras como nos exemplos acima, nas idades em que se espera que haja responsabilidade com as tarefas escolares e com os acordos familiares, são um sinal para refletir. Será que há falta de privacidade ou de liberdade, um excesso de controle dos pais? Ou ainda, a criança está evitando críticas, ameaças, punições e no momento de enfrentar a dura verdade das notas baixas na escola, das lições sem fazer, os adultos não são vistos como colaboradores? A mentira que supostamente protegeria a criança não está ocorrendo para evitar dissabores aos adultos, não é uma maneira de preservá-los?
Há motivos e intensidades diferentes nestas situações; cabe aos educadores a difícil tarefa de avaliar e de não mentir para si mesmos ao lidar com tudo isso. Conversar com franqueza é uma iniciativa interessante.
Pode ser um bom momento para rever expectativas e flexibilizá-las.


Helena e Marcia Arantes
Caso seu filho apresente uma dificuldade persistente, marque um horário para conversar
http://vivazpsicologia.blogspot.com.br/p/servicos_22.html





















domingo, 16 de outubro de 2011

Perguntas difíceis
















'Mamãe, Deus existe?' 'O que você acha, filha?' 'Acho que não, porque quando viajei de avião não vi nada lá no céu, só nuvens. E todo mundo diz que ele fala com a gente, mas eu também nunca escutei.' A bisavó, que é bastante religiosa e presenciava esse diálogo da menininha de 6 anos com sua mãe, acrescentou:'Mas Deus fala ao nosso coração'. 'Bisa, coração não é ouvido, né?!' Nesse momento, chegaram ao local de destino e, para alívio da mãe, a conversa se dispersou.
A criança faz muitas perguntas difíceis. Porque o bichinho morre, para onde ele vai depois, os pais vão morrer, ela vai morrer?...Observa tudo: quem beija na boca, quem fica pelado na frente de quem... 
Nessa idade, ela já tem recursos de pensamento que permitem considerações, como as da conversa acima. Está separando a fantasia da realidade, buscando o que pode ser comprovado, vai se tornando um verdadeiro cientista! Ela sabe, por exemplo, que o bebê antes de nascer está na barriga da mãe, pode ter ouvido estórias sobre a sementinha que o papai fornece, mas por mais que se esforce, ainda não consegue entender o que leva o papai e a mamãe a desejar um bebê, ou o que há de prazer nisso. Só mais tarde, com as mudanças corporais da adolescência, poderá alcançar outras formulações. Entretanto, cria hipóteses, desenvolve 'teorias', exercita o desejo de conhecer.
As perguntas, embaraçosas e incômodas, colocam os adultos diante de suas próprias incertezas. Esses pequenos pesquisadores percebem que os mais velhos também não estão tão seguros de suas "verdades", mas precisam do seu apoio e atenção para continuar as pesquisas. O processo da aprendizagem brota dessa curiosidade insistente e enérgica das crianças.
Às vezes, respostas conclusivas ou muito explicativas atrapalham o caminho, bloqueiam o processo no lugar de estimulá-lo, e podem até ser perniciosas se trouxerem conteúdos fora das possibilidades de conhecimento da criança naquele momento.

Marcia Arantes e Helena Grinover
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sábado, 8 de outubro de 2011

O objeto amado do bebê

















Cecí, bebê de um ano e dez meses de idade, tinha como seu objeto mais amado uma bonequinha de pano chamada pela família de 'naná'. Ela sempre o acariciava enquanto chupava o dedo. Assim pegava no sono, se acalmava , se distraía... Todas as vezes que saiam de casa a mãe de Cecí se preocupava em colocar na bolsa o 'naná'. Um dia a avó a levou para passear e não se lembraram do precioso objeto. A certa altura, a garota pediu seu 'naná', a avó explicou que havia ficado em casa e que mais tarde ela o encontraria lá. Num primeiro momento Cecí chorou, depois foi se conformando e começou a cantarolar um 'nana nenê' que foi se transformando em nana naná, naná naná, de maneira a compor uma nova musiquinha.
O episódio nos pareceu útil para ilustrar como essa 'falha' na atenção da mãe, que se esqueceu de colocar o naná na sacola de passeio, pode ser aproveitada pela criança. Esta escutou a avó e entendeu que apenas mais tarde teria o brinquedo desejado. Mas manteve a presença da boneca na medida em que ia falando seu nome: naná, naná... Assim, substituiu o objeto pela palavra, caminhando na aquisição da linguagem. Outra transformação importante foi substituir o prazer de chupar o dedo pelo de cantar, o que abriu a possibilidade de compor uma música! Na falta de um tranquilizante, ela criou outro.
Ao longo dos primeiros anos de vida, o bebê enfrenta várias substituições. Terá que se separar do seio, da mamadeira, da fralda, da presença contínua da mãe... É frequente que os adultos associem esses momentos com o sentimento de tristeza, insegurança, pesar. Muito temos a prender com a Cecí nesse episódio. Ela conseguiu parar de chorar sem esgotar suas energias, passou da tristeza para o canto, parou de pedir insistentemente, dirigiu sua atenção a outra atividade e foi criativa. Isso tudo indica que, não apenas suportou o sofrimento, mas cresceu com ele. É bom que se diga também que esta não foi a despedida definitiva. É interessante que as próprias crianças possam ir deixando o seus nanás.
As separações que a criança vive nesse primeiro momento da vida, devem ser vistas como abertura para outros interesses e novos relacionamentos. São necessárias para o crescimento, para a inserção social.
Cabe aos educadores dosar essas passagens, propondo-as gradualmente, de modo que a criança possa encontrar recursos internos para se ajustar às novidades. E cabe a eles também olhar para ela com a confiança de quem já vê à frente as conquistas que advirão dessas aparentes 'perdas'.

Helena Grinover e Marcia Arantes
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segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Atenção!




















'Presta atenção, menino!' 'Concentre-se!' 'Você é muito distraído, não para quieto!' 'Que agitação é essa?!' Todas as crianças escutam algo desse tipo em algum momento, mas algumas escutam mais do que outras.
Nossa atenção pode ser desviada por motivos diversos. O primeiro e mais básico de todos é que o mundo está cheio de estímulos. O bebezinho recém-nascido mostra muito bem isso, ele olha para tudo, indistintamente. Aos poucos vai destacando nesse mundo infinito alguns aspectos nos quais se detém mais, os olhos da mãe, uma cor intensa, um movimento, um som...Ele começa a 'prestar atenção', ou seja, começa a recortar alguns estímulos. A mãe vai acoplando frases a esses recortes: 'Você está olhando prá mamãe', 'Olha o palhacinho!' Vai atribuindo significado a seus movimentos e assim possibilita a criança desenvolver interesses e criar vínculos.
Os interesses ficam abalados na situações de dor, cansaço, falta de atividade física, ansiedade, insegurança...enfim, uma quantidade de condições vitais produz esse efeito. As crianças estão sujeitas a essas alterações mais que os adultos, pois ainda estão desenvolvendo a capacidade de disciplina e contenção que algumas atividades exigem. Quando uma criança altera demais seu padrão de comportamento, uma cuidadosa investigação precisa ser feita, envolvendo vários profissionais, o orientador educacional, o médico, o psicólogo.
Há alguns anos vivemos uma espécie de moda de acreditar que toda alteração de atenção e ou hiperatividade deve-se a um TDAH (transtorno de déficit de atenção com hiperatividade) que seria, segundo pesquisas médicas indicam, decorrente de uma alteração no metabolismo neural.
À luz de outras abordagens, a falta de atenção é um fenômeno que deve ganhar significado individualizado. Supõe-se que seja a expressão de anseios, preocupações, conflitos, dores psíquicas. Para tratar esse sofrimento é necessário ouvir a criança, levá-la a decifrar para si mesma o que a falta de atenção diz a respeito de sua vida. Ainda que se comprove um quadro neurológico a ser medicado, é importante entender os significados que a criança atribui a essa disfunção e aos efeitos causados por ela em sua existência.
A medicação não deve ser usada para calar o sofrimento psíquico, sob pena de ensinarmos aos mais jovens que as substâncias químicas podem eliminar, magicamente, a dor que nossa relação com os semelhantes e com mundo nos causa. O diagnóstico desse transtorno é delicado e todo o cuidado é bem-vindo para não retirar da criança a preciosa oportunidade de aprender a se controlar, de descobrir interesses que prendam sua atenção, de desvendar sentimentos e desejos que a perturbam.
Por isso, educadores que lidam com crianças que estejam mais agitadas ou desatentas, não se distraiam com conclusões apressadas, atenção!!!

Marcia Arantes e Helena Grinover
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