Renato tem dez anos e frequentemente passa alguns dias em casa de amigos ou parentes. Invariavelmente seus pais, ao receberem o filho de volta, ouvem apreciações que em nada combinam com o que eles veem na convivência com o menino. 'Ele é tão meigo, extrovertido, faz piadas...' comentam. Parece que estão lhes falando de outra criança.
É bastante comum esse desencontro entre o que se revela para os pais e o que aparece em outros lugares, com pessoas diferentes. Muitas vezes essa discrepância causa certo desconforto: ´porque lá em casa não é assim?'
Cada individuo, ao se encontrar com um novo semelhante, vê nele aspectos com os quais constrói uma imagem. A pessoa aprecia, desgosta, aprova, ama, detesta, em função do ângulo em que olha. Ou seja, toda vez que a criança se relaciona com pessoas diferentes, ela recebe o retorno de uma imagem de si mesma que depende do recorte que esses novos olhos privilegiam nela, do novo 'ponto de vista'.
O fenômeno do filho que parece ser 'outro' se explica pela imagem diferente que os 'outros' podem oferecer a ele e pelos efeitos que isso tem. Aquilo que é visto como parte de sua nova imagem, tende a ser também apropriado pela criança que deseja ampliar e mudar o conceito que tem de si, ou seja, ela quer ser olhada de outra forma. Os pequenos são mais susceptíveis a essas novas interações e assim incorporam outras faces a sua individualidade. Daí a riqueza e as surpresas que esses afastamentos temporários da família propiciam ao longo do desenvolvimento.
Aos pais podemos dizer que essa é a única via pela qual seus filhos podem formar a própria personalidade, ou seja, se espelhando primordialmente em quem cuidou deles quando pequeninos, para depois poderem absorver outras influências. Renato, ao se apresentar diferentemente quando está longe do olhar dos pais, ilustra a liberdade que tem de constituir alternativas para sua maneira de ser, sem perder o que recebeu deles para se estruturar.
Helena Grinover e Marcia Arantes
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